Reflexões sobre a lei antibullying


No Brasil, em 2015, passou a vigorar a lei anti-bullying nº 13.185, que estabelece o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying) a fim de servir de incentivo às escolas brasileiras para que elas criem seus próprios programas de prevenção ao bullying. O texto da lei, entretanto, é problemático, o que traz à tona algumas reflexões importantes acerca desse tema.
Primeiramente, no título do programa encontra-se uma palavra que pode ser mal interpretada: “combater”. Quando se fala em combater, tem-se um sentido de “derrotar”, “destruir”, como se o bullying fosse uma coisa, um objeto, algo que precisasse ser vencido. No lugar de “combater”, o ideal seria “prevenir”, pois esse termo pode ser usado tanto para evitar que ocorram episódios de bullying no futuro quanto para resolver episódios já instalados. Essa mudança de termos é importante para que o bullying, como um fenômeno de caráter relacional que é, seja compreendido como tal, à medida que é analisado o contexto em que as relações entre agente, vítima e testemunha do bullying se inserem, bem como é analisada a relação entre cada um destes e sua respectiva história de vida.
Além disso, no texto da lei, está escrito que devem ser utilizados meios que evitem a punição dos agentes (agressores), ao considerar que punir não é a melhor forma de lidar com a situação. Isso porque punir não ensina ao sujeito repertório alternativo, ou seja, não ensina como se comportar de outra forma, mantendo alta a probabilidade de o sujeito se comportar da mesma forma inadequada no futuro. A lei, ao deixar o texto vago, não apresenta que meios alternativos são esses, ou seja, não mostra uma solução válida para evitar punir os agentes. Uma possibilidade de solucionar o problema seria a criação de programas de prevenção ao bullying, em que seriam realizados, por exemplo, treinamentos de habilidades sociais e educativas para professores e coordenadores, a fim de ensinar formas de lidar com questões que podem suscitar casos de bullying.
Ademais, o texto da lei tenta definir o bullying (intimidação sistemática) como qualquer ato de agressão física ou psicológica, intencional e repetitivo, sem motivação evidente, praticado por um indivíduo ou um grupo contra uma ou mais pessoas. Isso é importante para que seja mais fácil identificar um episódio de bullying, uma vez que ele é um dos vários tipos de violência escolar possíveis. Além disso, ela cita exemplos de casos de bullying, como insultar, xingar, apelidar pejorativamente, chutar, bater, isolar, excluir, chantagear. No entanto, apenas apresentar exemplos e definição não é suficiente para que se entenda um fenômeno tão complexo quanto o bullying. O texto da lei poderia conter também o planejamento de futuros investimentos do Governo em cursos de capacitação e formação continuada de professores e coordenadores, para que seja preenchida a lacuna no conhecimento acerca do bullying e suas formas de prevenção.
Ao delimitar esse fenômeno social, a lei 13.185, por meio desse programa, pretende capacitar a equipe pedagógica e os docentes da escola por meio da identificação do fenômeno, mostrando também a importância de se discutir sobre o bullying em sala de aula. Aqui temos um limite do texto da lei: ele não operacionaliza as formas de se capacitar tais profissionais, nem cita nenhuma diretriz de como isso deve ser feito. Dessa forma, vê-se que mais uma lacuna fica sem ser preenchida, pois fica a cargo da escola elaborar todo esse material, sendo que esta não está ainda capacitada para tal. O Governo deveria investir em formação de profissionais com equipes experientes no tema e capazes de qualificar o corpo pedagógico das escolas para tal tarefa.
Acerca do exposto acima, observa-se que é importante que o Governo admita a existência do bullying e mostre a importância de se prevenir tal fenômeno. No entanto, questiona-se a forma de como isso se apresenta, ou seja, em formato de uma lei ao invés de políticas públicas. Durante os 2 anos de existência do Projeto Psicoeduca, nós, participantes do projeto, percebemos o quanto os professores ainda têm dúvidas em relação ao que é o bullying e a como lidar com isso. Essa é uma lacuna importante a se preencher, uma vez que eles são os mais aptos a identificar e tomar medidas para prevenir os episódios de bullying. É muito importante que as escolas sejam capazes de identificar o fenômeno e agir da melhor forma para que a saúde mental dos alunos seja preservada, uma vez que o bullying tem efeitos psicológicos devastadores, podendo levar a episódios de ansiedade ou depressão e até ao suicídio. É necessário, então, discutir o bullying como uma manifestação de violência que é produto de um sistema cultural que vai muito além dos muros das escolas. Culpabilizar os alunos e entender que estes são o início e o fim do fenômeno negligencia informações importantes e isenta de responsabilidades aqueles que mais deveriam investir na prevenção do fenômeno. Dessa forma, é de fundamental importância que gestores, diretores, professores e familiares atuem em conjunto na prevenção dessa violência entre pares.


Rafaela de Medeiros Ribeiro

Comentários